segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O homem bicentenário


Em 1976, Isaac Asimov escreve esse conto para homenagear o bicentenário da independência norte americana. Andrew é um robô restrito pelas três leis da robótica, criadas por medo que a inteligência artificial robótica poderia causar ao ser humano.

Esse conto é como se fosse uma atualização da história de Pinóquio, o boneco de madeira que queria ser menino. O famoso conto mostra como que um robô vai ganhando humanidade. Gostei do conto, o qual me levou a tais reflexões:

- A cultura é que nos humaniza. Uma das donas de Andrew, Filhinha, tratava-o como mais que um robô, até que ele se tornou um homem. Vemos esse processo de humanização sendo ganho instante a instante no decorrer da leitura. Se assim seria com um robô, imagine com outro ser humano.

- Andrew demonstrava uma perfeição e pureza inexistentes no ser humano por não ter emoções, só simuladas, pois vai respondendo as situações segundo vai percebendo as respostas humanas. Isso lembra o aprendizado de algumas crianças, principalmente as com autismo, mas ainda não se compara, pois crianças com autismo tem estímulos corporais, apesar de muitas vezes não se darem conta deles.

- O medo do homem cria males e lutas, a compaixão cria amor e empatia, até naquilo que era considerado inumano. O conto nos faz refletir até na questão da mortalidade humana, pois
Andrew sacrifica a sua “imortalidade” para poder ser aceito como ser humano.

Como virão, é um livro que traz algumas questões existenciais para refletirmos.

quinta-feira, 16 de março de 2017

é isto um homem?

Este livro é o relato do próprio autor (Primo Levi), judeu italiano, a respeito dos horrores que viveu no campo de concentração de Auschwits, e de como o funcionamento do campo desumanizava tanto judeus quanto soldados.

Em meio a rotina dura do campo, Primo Levi relata o efeito que a ajuda simples de um homem tinha em seu ser:
"... Não sei se tem sentido identificar as causas pelas quais a minha vida, só a minha entre milhares de vidas equivalentes, pôde resistir à prova; em todo caso, creio que devo justamente a Lourenço o fato de estar vivo hoje. E não é só por ajuda material, mas por ter-me ele lembrado constantemente (com a sua presença, com esse seu jeito tão simples de ser bom) que ainda existia um mundo justo, fora do nosso; algo, alguém, ainda puro e íntegro, não corrupto nem selvagem, alheio ao ódio e ao medo; algo difícil de definir, uma remota possibilidade de bem pela qual valia a pena conservar-se."
Esse texto lindo é minha parte favorita no livro. Não tem a ver diretamente com religião, pois o próprio autor não consegue conceber Deus depois dos horrores que viveu, mas tem a  ver com um efeito que muitos religiosos causam nos outros.

Li por indicação de um amigo e adorei. Realmente, os horrores realizados nos campos de concentração rebaixam a dignidade humana a um nível que se dúvida da própria humanidade dos envolvidos. Aconselho a leitura dessa obra linda, retratando a realidade, mas escrita como uma verdadeira obra prima.

terça-feira, 14 de março de 2017

Crime e Castigo

Primeiro livro que leio de Fiódor Dostoiévski. Fiquei fascinado. Demorei uns quatro meses, mas fiquei boquiaberto. Próximo alvo é Irmãos Karamazov.

O livro conta a história do estudante de direito Raskólnikov, também chamado de Ródia, que planeja e comete um homicídio e para não ser descoberto, outro logo em seguida. O narrador mostra-nos o ambiente, os pensamentos, a doença e várias outras coisas que o influenciam a cometer tal ato hediondo.

Outra coisa forte no livro é o trabalho do então não estruturado inconsciente, pois só o foi por Freud anos mais tarde. Esse inconsciente é demonstrado nos atos do personagem, os quais mostram real arrependimento, mas que não é confessado pelo mesmo na sua consciência. Ele insiste em falar que o melhor que fez foi matar a velha usurária, mas não se utilizar de nada do que roubara e até mesmo de abrir uma bolsinha que continha dinheiro que não poderia ser rastreado como os outros itens roubados mostram que o inconsciente trabalhava em seus atos. Fora a sua confissão do crime.

Além da personagem principal, as narrativas, os demais personagens e a descrição e atitudes desses são incríveis. Claro que Dostoiévski abre uma discussão sobre o tema da obra que é o crime e o real castigo que vem com ele, tratando belamente e filosoficamente disso. Inclusive a filosofia está na boca desses personagens.

Só no epílogo que vemos a redenção do personagem. Uma redenção cristã, uma nova vida que a personagem só a obtém em cárcere, onde percebe o valor da vida.

Outras personagens que me apaixonei são Sônia e Razumíkhin. Mas são muitas os boas personagens.

Não deixe de ler essa obra também. Aconselho muito.

São Bernardo

Não posso esconder de vocês que Graciliano Ramos é meu romancista favorito entre os brasileiros, se não o for entre todos os demais também.

Independente disso, essa obra é monumental. O regionalismo de Graciliano nunca deixa de ser universal. Entramos nas personagens e nos identificamos com elas.

Paulo Honório é o narrador da história. São bernardo é uma fazenda na qual trabalhou e a conquistou e ela é o foco de sua evolução de um órfão desajustado a um proprietário da fazenda São Bernardo. Personagem forte e bruto, com inteligência e sagacidade compra e coloca para funcionar a fazenda abandonada pelo ex-dono.

Os motivos de narrar sua história são expostos, mas não claramente, como muita coisa no livro. Paulo Honório tenta repassar a história de sua vida, rever seus passos,  mostrar como funcionava como dínamo, e que infelizmente, agora, estava emperrado. E o motivo desse emperrar? O suicídio de Madalena.

Seu jeito bruto faz a personagem não chamar de amor, talvez até por não entendê-lo, mas ao expor com sua linguagem, percebe-se que ele ama Madalena, sua esposa. Madalena é uma professora que aceita se casar com Paulo Honório e vive ativamente na fazenda, agindo em prol das famílias de São Bernardo. Ela é socialista, participa com artigos no jornal da cidade, e bem ligada as questões sociais e acontecimentos no Brasil. Infelizmente, seus ideais e comentários costumam causar desgosto no marido, e por isso mesmo não conversam mais e o depois de alguns anos de casamento, o ciúme surge e o relacionamento deles piora, incluindo conflitos físicos.

Madalena é apaixonante. Todos comentam dela e a amam. Sua postura é de alguém que gosta de participar da fazenda e da vida política do pais. Quer o bem estar da classe operária e é imensamente humanista. Sua preocupação com o outro é incrível, inclusive a cena mais trágica do livro mostra isso. Paulo Honório queria saber se ela era religiosa, pois facilitaria tudo. Só descobre isso no dia em que a encontra na igreja e ela sutilmente se despede dele, mostrando carinho e amor a sua pessoa. Depois o suicídio.

Isso abala o homem forte e controlador. Essa linda mulher loira e frágil não fora domada por ele. Isso o faz repensar. Mas repensar? Ele entendia o mundo da forma que viveu, como repensar? Repensar seria negar o mundo que viveu, que aprendeu a viver. Isso o trava, o desestimula. Ele continua a trabalhar na fazenda, mas não com o mesmo impeto, nem com o mesmo orgulho e motivação. É quase como por fazer o que sempre fez, por sair natural. Mas Madalena o mudou. Mudou o que ele não consegue nem entender, e por isso o ímpeto agora é de escrever. Escrever sua história para tentar entender...

A sinceridade de Paulo Honório e a rudeza natural de seu ser dão um efeito literário incrível no leitor. Conhecemos Paulo Honório, vivemos suas paixões e entendemos suas rudezas para vermos que mesmo o que são diferentes ainda assim são iguais, são humanos, são falhos e sofrem. Madalena e Paulo Honório são dois opostos que se juntaram para o fraco transformar o forte, por ser o fraco forte e o forte se quebrar. Madalena se suicida pois não suporta os mau tratos do marido, mas não sede seu ser as desumanidades e ao ciúme do marido. Paulo Honório não cede, só endurece mais, apesar de amar Madalena, e isso o faz repensar ao perdê-la. Sua quebra é de ímpeto.

Claro que tem muito mais para ser dito da obra. Ela é uma obra de arte brasileira, falando de nossa gente e de nossa realidade, mas que amplia ela para o mundo.

Mais uma vez, obra imperdível.

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres

Segundo livro que leio de Clarice Lispector. O primeiro foi o A hora da Estrela, comentadíssimo, inclusive escolhido para lista de leitura para diversos vestibulares.

Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres é o quinto romance da autora. Nessa obra, o narrador conta a história de Lóri e suas aprendizagens sobre o amor e a existência. Ulisses tem um papel importante nas descobertas da personagem, o qual age como condutor de Lóri até o amadurecimento emocional.

O eu e o outro é uma das principais discussões da obra. O eu e o que sou? são coisas que deixam a personagem mais perdida em sua existência, a qual é reencontrada e amadurecida ao se relacionar mais profundamente com o outro. Esse é seu desafio, sair do eu e se envolver com o outro.

Percebe-se uma concordância do  tema principal com o ideal cristão de voltar-se para o outro. Claro que não é um livro religioso, mas trata da espiritualidade, principalmente com a personagem Lóri. Ela sempre traz o Deus para seus pensamentos, seja para contradizê-lo, inclusive ideais bíblicos, ou modificá-los para si. De acordo ela vai se encontrando e encontrando o amor de forma que não o conhecia, esse o Deus vai tendo uma maior forma.

O texto é construído de forma única. A luta contra paradigmas é bem clara, inclusive na pontuação, afinal, o romance começa com uma virgula e termina com dois pontos. O pensamento de Lóri é único, e não o é ao mesmo tempo. A linguagem que parece tão distoante, mostra os traumas e lutas universais das pessoas, não só da mulher ou qualquer outro. A noção de estar perdido e de quando não, se perder a cada momento. Existêncialismo muito existente em Clarice Lispector, que parece trazer a dor da existência em suas obras e a luta para existir.

Nessa obra, parece haver uma resposta, não nova, nem inovadora, mas inovada, pois existe a muito tempo. Ao usar a personagem Lóri nessa temática, um ser único e claramente perdido, ela torna universal o que tão parece individual: a compreensão e satisfação com a vida.